sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

OXUM

O ARQUÉTIPO DE OXUM
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As pessoas de Oxum são vaidosas, elegantes, sensuais, adoram perfumes, jóias caras, roupas bonitas, tudo que se relaciona com a beleza.
 Gostam de chamar a atenção do sexo oposto. São boas donas de casa e companheiras, despertam ciúmes nas mulheres e se envolvem facilmente em intrigas.
Oxum também é destemida diante das dificuldades enfrentadas por si e pelos seus. 
Com ela é assim: bateu, levou. 
Não tolera o que considera injusto e adora uma pirraça. Da beleza à destreza, da fragilidade à força, com um toque feminino de bondade, é assim o jeito dessa deusa-heroína.
 Sensível à condição de fraqueza, Oxum se dispõe a aliviar o sofrimento alheio.
Afinal Oxum quer ser amada e todos sabem que ela deve ser tratada como uma rainha, ou seja, com roupas finas, jóias e boa comida, tudo a seu gosto.
 A beleza é o maior trunfo do orixá do amor.
 Como esposa de Xangô, ao lado de Obá e Oiá, Oxum é a preferida e está sempre atenta para manter-se a mais amada. 

. Foi de Oxum a delicada missão dada por Olodumare de religar o orum (o céu) ao aiê (a terra) quando da separação destes pela displicência dos homens. Tamanho foi o aborrecimento dos orixás em não poder mais conviver com os humanos que Oxum veio ao aiê (a terra) prepará-los para receber os deuses em seus corpos.

Juntou as mulheres, banhou-as com ervas, raspou e adornou suas cabeças com pena de ecodidé (pena de um pássaro sagrado), enfeitou seus colos com fios de contas coloridas, seus pulsos com idés (pulseiras), enfim, as fez belas e prontas para receberem os orixás. 
E eles vieram. 
Dançaram e dançaram ao som dos atabaques e xequerês.
Para alegria dos orixás e dos humanos .
 Os mitos da Oxum mostram o quão múltipla é sua personalidade. 
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. Trecho extraído e adaptado de:
PRANDI, Reginaldo - Mitologia de Orixás,
Mitos afro-americanos reunidos e recontados,
São Paulo, 1997 (mimeo)

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Oxum corresponde ao arquétipo grego da DEUSA Afrodite
 e como ela é um "Sol Glorioso" que permanece brilhando em nossa cultura. 
Ser abençoada por Oxum significa que a mulher sentirá plenamente à vontade com
 sua sexualidade e cultivará a vaidade e a beleza como atributos femininos cheios de poderes.
 É através de seu espelho de duas faces que Oxum toma consciência de sua 
sensualidade. Ao ver sua imagem refletida, a consciência de si nasce.
 Entretanto, o espelho serve também, de escudo e arma que pode cegar ou aprisionar com seu reflexo.
                  Oxum, como Afrodite, usa seus atributos femininos para conquistar 
os homens, mas as mulheres que possuem o arquétipo de Oxum muito ativo, 
são volúveis e inconstantes e gostam de estar sempre atrás de coisas novas
 e imprevistas. 
Como a Deusa, a mulher-Oxum não gosta de criar raízes, pois vê a vida
 como uma aventura, preferencialmente com um final romântico.
 Escolherá sempre homens sofisticados,
 instruídos e com bom saldo no cartão de crédito, pois ela adora roupas finas, cabelos esvoaçantes, jóias e muitos adornos.
      Mas, acima de tudo, em todos os seus relacionamentos,
 a mulher-Oxum coloca o "coração".   
Sua beleza física e interior pode ser um passaporte para muitos mundos,
 mas também sobrevém-lhe uma palpável alienação.
 Uma vez que muitos homens a desejarão pela beleza física 
e as mulheres a odiarão pelo mesmo motivo,
 muitas vezes a mulher-Oxum poderá duvidar do seu real valor.   
 Graças ao seu talento em manobrar os sentimentos e os projetos criativos no homem, a mulher-Oxum pode despertar o "anima"
 (princípios femininos) do homem.
 Quando o homem começa a entrar em contato com a sua "anima",
 a mulher-Oxum passará a ser sua musa inspiradora,
 ajudando-o com novas idéias e trabalho criativo.
         A Deusa-Oxum herdou ainda, as qualidades guerreiras da Deusa grega Ártemis, qualidades essas, possivelmente decorrentes do meio em que vivia e de ter sido casada com um Deus da Floresta e da Caça "OXOSSI", com quem teve um filho o menino mais lindo que já existiu LOGUNEDÉ. 
                               Como Deusa-Guerreira, Oxum protege os rebentos dos animais e as crianças humanas.
                 Oxum passa então a ser "A Bela que é Fera", pois brigará e lutará para
 preservar sua liberdade. ...
                                                                                                   ...  Bibliografia: O Casamento do Sol com a Lua - Raïsa Cavalcante; Editora Cultrix Ltda; O Anuário da Grande Mãe - Mirella Faur  O Caminho dos Orixás - João d"Oxossi
                                      

domingo, 20 de outubro de 2013

cronicas : mestre oculto


mentores.

Trazemos aqui , imagens dos mentores e guias  , "pinturas  feitas através da vidência de TIA NEIVA "vale do amanhecer", e outras originais da umbanda , divulgadas pelo mestre RAS ADAEGBO"
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o grande mestre seta branca 


Caboclo Tupiniquim

CABOCLO TUPINAMBÁ DAS PEDREIRAS
VOVÓ BENEDITA


PAI JOSÉ DAS ÁGUAS - um preto velho de Oxum 



VOVÔ NAZÁRIO
ACARISE - Um Sacerdote que trabalha 
na LINHA DO ORIENTE
SACERDOTE HUMAHÃ - Linha do Oriente 
DOUTOR ANDRÉ LUIZ - Corrente dos 
Médicos do Espaço
 
DOUTOR RODOLFO - Corrente dos 
Médicos do Espaço.
 
O famoso Doutor Fritz - 
Corrente dos Médicos do Espaço 
MÃE MARIA DE ARUANDA - Mentores
 
VOVÓ MARIA CONGA - cruzada na Linha do
Oriente - Mentores
MÃE SOFIA - Mentores

PAI CASTELIANO 
um preto velho que cruza com a Linha dos Ciganos
 
PAI BENEDITO ANGOLANO
PAI ISIDORO DE ARUANDA
 
PAI FRANCISCO DE ARUANDA




CABOCLO FOLHA VERDE 


CABOCLO PENA AZUL




CABOCLA DAS MATAS


CABOCLA JUPIRA


CABOCLO GUERREIRO DAS MATAS VIRGENS

 CABOCLO PENA BRANCA


CABOCLO PENA VERDE

 MÃE SUAMARA DE ARUANDA NINFA  LUANA CRISTINA LEOPOLDINA



CABOCLO ÁGUIA DOURADA


                                                                         MÃE ROSÁRIO

MÃE JUSTININHA

MÃE TILDES



O GRANDE CABOCLO ÁGUIA BRANCA


VOVÓ BENEDITA.



terça-feira, 30 de julho de 2013

DE OLHOS FECHADOS



Sentado ali em frente de seu conga o velho pai de santo relembra com surpreendente nitidez sua infância e seu primeiro contato com a espiritualidade. Nitidamente ele se vê na tenra infância a brincar sozinho no amplo quintal da casa de seus pais. Lembra-se que alguma coisa o fez olhar para as nuvens e diante dele uma estranha imagem se forma: um velho sentado ao redor de uma fogueira e um menino a ouvir-lhe estórias. De alguma maneira o menino ao ver aquela cena sabia que se tratava dele mesmo.

O tempo passou e a cena jamais esquecida e também jamais revelada, o acompanha em sonhos e lembranças. Cresce e acaba se tornando médium Umbandista. Aos poucos vai conhecendo seus guias, que vão tomando seu corpo nas diversas “giras de desenvolvimento”.

Primeiro o Caboclo que lhe parece muito grande e forte, depois os demais até que, ao completar 18 anos, seu Exu também recebe permissão para incorporar. Já não é mais médium de gira, a bem da verdade ocupa o cargo de pai pequeno do terreiro.


Percebe que não tivera uma adolescência como à da maioria dos jovens que lhe cercam na escola. Não vai a bailes, festas... Dedica-se com uma curiosidade e um amor cada vez maior a pratica da caridade. Os anos passam e acaba pôr abrir seu próprio terreiro. Inúmeras pessoas procuram os seus guias e recebe um lenitivo, uma palavra de consolo e esperança...

Foram tantos os pedidos e tantos os trabalhos realizados que já perdera a conta. Viu inúmeras pessoas que declaravam amor eterno pela Umbanda e bastava que alguns pedidos não fossem alcançados na plenitude desejada que já se afastavam criticando o que ontem lhes era sagrado...

Presenciou pessoas que vindas de outras religiões e que encontraram a paz dentro do terreiro, mantido a duras penas, uma vez que nada cobrava pôr trabalhos realizados ("Dai de graça o que de graças recebestes").

Solteiro permanecia até hoje, pois embora tivesse tido várias mulheres que lhe foram caras, nenhuma delas aguentou ficar ao seu lado, pois para ele, a vida sacerdotal se impunha a qualquer outro tipo de relacionamento. 
Amava mesmo assim todas aquelas que lhe fizeram companhia em sua jornada terrena. Brincava o velho pai de santo, quando lhe perguntavam se era casado e respondia, bem humorado, que se casara muito cedo, ainda menino.

A curiosidade dos interlocutores quanto ao nome da esposa era satisfeita com uma só palavra: Umbanda, este era o nome da esposa.

Com o passar do tempo, a idade foi chegando; muitos de seus filhos de fé seguiram seus destinos vindos eles também a abrirem suas casas de caridade.


O peso da idade não o impede de receber suas entidades. Ainda ecoa, pelo velho e querido terreiro, o brado de seu Caboclo, o cachimbo do Preto Velho perfuma o ambiente, a gargalhada do Exu ainda impressiona, a alegria do Ere emociona a ele e a todos... Enfim, sente-se útil ao trabalhar...

Hoje não tem gira. O terreiro está limpo, as velas estão acessas e tudo parece normal. Resolve adentrar ao terreiro para passar o tempo, perdera a noção das horas. Apura os ouvidos e sente passos a seu redor, percebe que alguém puxa pontos e que o atabaque toca.

Ele esta de costa para todos de frente para o conga. O cheiro da defumação invade suas narinas... Seus olhos se enchem de lágrimas na mesma proporção que seu coração se enche de alegria. Estranhamente, não sente coragem ou vontade de olhar para trás, apenas canta junto os pontos.

Fixa seus olhos nas imagens do altar, fecha os olhos e ainda assim vê nitidamente o conga, parece que percebe o movimento do terreiro aumentar. Vira de costas para o conga e a cena o surpreende: vê Caboclos, Boiadeiros , Pretos Velhos, Marujos, Baianos, Erês e toda uma gama de Guias, até Exus e Pomba Giras estão ali na porteira.



Dá-se conta que os vê como são, não estão incorporados. Todos lhes sorriem amavelmente. Dentre tantos Guias, percebe aqueles que incorporam nele desde criança. Tenta bater cabeça em homenagem a eles, mas é impedido. O Caboclo, seu guia de frente, se adianta, lhe abraça, brada seu grito guerreiro... Os demais o acompanham.

O velho pai de santo não aguenta e chora emocionado... As lagrimas lhe turvam a vista. Fecha seus olhos e ao abri-los todos os guias ainda permanecem em seus lugares embora calados... Nota uma luz brilhante em sua direção, Oxum e Omulu se aproximam, seu Caboclo os saúda e é correspondido.

A luz o envolve completamente. Já não se sente mais velho; na verdade sente-se jovem como nunca. Seu corpo está leve e ele levita em direção à luz. Todos os guias fazem reverência... O terreiro vai ficando longe envolto em luz... Ele sorri alegre... A missão estava cumprida...

No dia seguinte, encontram seu corpo aos pés do conga. Tinha nos lábios um sorriso...

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sexta-feira, 1 de março de 2013

DITADOS AFRO-POPULARES.


O Ilê Axé Opo Afonjá pode ser definido de acordo com esse último conceito de comunidade, onde os provérbios são bastante utilizados. Seguem alguns exemplos:
Você foi coroado rei, mas continua fazendo encantamentos para obter boa sorte. Você quer ser coroado Deus?
Quem está sufocado por dívidas não deve viver como um lorde.
Ninguém grita de dor quando cuida de suas próprias feridas.
A pessoa que trabalha duro, ganha a inimizade do desocupado.
Aquele que cai no buraco ensina aos que vêm atrás a terem cuidado.
Aquele que bate palmas para que o louco dance é tão louco quanto ele mesmo.
A boca que não se cala e os lábios que não deixam de se mexer só trazem problemas.
A boca não pode ser tão suja que seu dono não possa comer com ela.
O desconfiado sempre pensa que as pessoas estão falando mal dele.
Quem não sabe construir uma casa, monta uma barraca.
Somente um barril vazio é que faz barulho, um saco cheio de dinheiro permanece silencioso.
O que eu quero comer você não quer comer, devemos comer separados.
As características dos ditados populares fazem deles excelentes instrumentos de trabalho educacional. São características como: Brevidade – frases curtas que facilitam o registro e memorização da verdade embutida neles; Agudeza – fazem uma crítica da vida, usando uma dose de ironia, que facilita a reflexão sobre o tema criticado; Fontes de Prazer – os provérbios produzem prazer, não só pela agudeza, mas também por possibilitar o registro e fixação de uma sábia mensagem, tendo a energia mental economizada.
Maria Stella de Azevedo Santos é Iyalorixá do Ilê Axé Opô Afonjá
Publicado originalmente em: http://www.atarde.com.br/mundoafro/?p=4439

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

A MATRIX E A FILOSOFIA.


Do livro "Convite à filosofia", de Marilena Chauí

Quem viu o filme Matrix – antes que se tornasse o primeiro de uma série – há de se lembrar da cena em que o herói Neo é levado pelo guia Morfeu para ouvir o oráculo.

Que é um oráculo? A palavra oráculo possui dois significados principais, que aparecem nas expressões "consultar um oráculo" e "receber um oráculo". No primeiro caso, significa "uma mensagem misteriosa" enviada por um deus como reposta a uma indagação feita por algum humano; é uma revelação divina que precisa ser decifrada e interpretada. No segundo, significa "uma pessoa especial", que recebe a mensagem divina e a transmite para quem enviou a pergunta à divindade, deixando que o interrogante decifre e interprete a resposta recebida. Entre os gregos antigos, essa pessoa especial costumava ser uma mulher e era chamada sibila.

Em Matrix, aparece a sibila, uma mulher que recebeu o oráculo (isto é, a mensagem) e que é também o oráculo (ou seja, a transmissora da mensagem). Essa mulher pergunta a Neo se ele leu o que está escrito sobre a porta de entrada da casa em que acabou de entrar. Ele diz que não. Ela então lê para ele as palavras, explicando-lhe que são de uma língua há muito desaparecida, o latim. O que está escrito? Nosce te ipsum. O que significa? "Conhece-te a ti mesmo." O oráculo diz a Neo que ele – e somente ele – poderá saber se é ou não aquele que vai livrar o mundo do poder de Matrix e, portanto, somente conhecendo a si mesmo ele terá a reposta.

Poucas pessoas que viram o filme compreenderam exatamente o significado dessa cena, pois ela é a representação, no futuro, de um acontecimento do passado, ocorrido há 23 séculos, na Grécia.

Havia na Grécia, na cidade de Delfos, um santuário dedicado ao deus Apolo, deus da luz, da razão e do conhecimento verdadeiro, o patrono da sabedoria. Sobre o portal de entrada desse santuário estava escrita a grande mensagem do deus ou o principal oráculo de Apolo: "Conhece-te a ti mesmo." Um ateniense, chamado Sócrates, foi ao santuário consultar o oráculo, pois em Atenas, onde morava, muitos diziam que ele era um sábio e ele desejava saber o que significava ser um sábio e se ele poderia ser chamado de sábio. O oráculo, que era uma mulher, perguntou-lhe: "O que você sabe?". Ele respondeu: "Só sei que nada sei." Ao que o oráculo disse: "Sócrates é o mais sábio de todos os homens, pois é o único que sabe que não sabe." Sócrates, como todos sabem, é o patrono da Filosofia.
NEO E SÓCRATES
Por que as personagens do filme afirmam que Neo é "o escolhido"? Por que eles estão seguros de que ele será capaz de realizar o combate final e vencer a Matrix?

Porque ele era um pirata eletrônico, isto é, alguém capaz de invadir programas, decifrar códigos e mensagens, mas, sobretudo, porque ele também era um criador de programas de realidade virtual, um perito capaz de rivalizar com a própria Matrix e competir com ela. Por ter um poder semelhante ao dela, Neo sempre desconfiou de que a realidade não era exatamente tal como se apresentava. Sempre teve dúvidas quanto à realidade percebida e secretamente questionava o que era a Matrix. Essa interrogação o levou a vasculhar os circuitos internos da máquina (tanto assim que começou a ser perseguido por ela como alguém perigoso) e foram suas incursões secretas que o fizeram ser descoberto por Morfeus.

Por que Sócrates é considerado o "patrono da Filosofia"? Porque jamais se contentou com as opiniões estabelecidas, com os preconceitos de sua sociedade, com as crenças inquestionadas de seus conterrâneos. Ele costumava dizer que era impelido por um espírito interior (como Morfeus instigando Neo) que o levava a desconfiar das aparências e procurar a realidade verdadeira de todas as coisas.

Sócrates andava pelas ruas de Atenas fazendo aos atenienses algumas perguntas: "O que é isso em que você acredita?", "O que é isso que você está dizendo?", "O que é isso que você está fazendo?". Os atenienses achavam, por exemplo, que sabiam o que era a justiça. Sócrates lhes fazia perguntas de tal maneira sobre a justiça que, embaraçados e confusos, chegavam à conclusão de que não sabiam o que ela significava. Os atenienses acreditavam que sabiam o que era a coragem. Com suas perguntas incansáveis, Sócrates os fazia concluir que não sabiam o que significava a coragem. Os atenienses acreditavam também que sabiam o que eram a bondade, a beleza, a verdade, mas um prolongado diálogo com Sócrates os fazia perceber que não sabiam o que era aquilo em que acreditavam. A pergunta "O que é?" era o questionamento sobre a realidade essencial e profunda de uma coisa para além das aparências e contra as aparências. Com essa pergunta, Sócrates levava os atenienses a descobrir a diferença entre parecer e ser, entre mera crença ou opinião e verdade.

Sócrates era filho de uma parteira. Ele dizia que sua mãe ajudava o nascimento dos corpos e que ele também era um parteiro, mas não de corpos e sim de almas. Assim como sua mãe lidava com a Matrix corporal, ele lidava com a Matrix mental, auxiliando as mentes a libertar-se das aparências e buscar a verdade.
Como os de Neo, os combates socráticos eram também combates mentais ou de pensamento. E enfureceram de tal maneira os poderosos de Atenas que Sócrates foi condenado à morte, acusado de espalhar dúvidas sobre as idéias e os valores atenienses, corrompendo a juventude.

O paralelo entre Neo e Sócrates não se encontra apenas no fato de que ambos são instigados por "espíritos" que os fazem desconfiar das aparências nem apenas pelo encontro com um oráculo e o "Conhece-te a ti mesmo" e nem apenas porque ambos lidam com matrizes. Podemos encontrá-lo também ao comparar a trajetória de Neo até o combate final no interior da Matrix e em uma das mais célebres e famosas passagens de um escrito de um discípulo de Sócrates, o filósofo Platão. Essa passagem encontra-se numa obra intitulada A República e chama-se "O mito da caverna".

O filósofo Sócrates rebelou-se contra os sofistas, dizendo que não eram filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, já que defendiam qualquer idéia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valer tanto quanto a verdade. Como homem de seu tempo, Sócrates concordava com os sofistas em um ponto: por um lado, a educação antiga do guerreiro belo e bom já não atendia às exigências da sociedade grega, e, por outro, os filósofos cosmologistas defendiam idéias tão contrárias entre si que também não eram uma fonte segura para o conhecimento verdadeiro.
Discordando dos antigos poetas, dos antigos filósofos e dos sofistas, o que propunha Sócrates?
Propunha que, antes de querer conhecer a natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. Como vimos na Introdução, a expressão "Conhece-te a ti mesmo", ou o oráculo que estava gravado no pórtico do templo de Apoio, em Delfos, deus da luz e da sabedoria, foi o centro das preocupações e investigações de Sócrates. Por fazer do autoconhecimento ou do conhecimento que os homens têm de si mesmos a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros é que se diz que o período socrático é antropológico, isto é, voltado para o conhecimento do homem (em grego, ántropos), particularmente de seu espírito e de sua capacidade para conhecer a verdade.

O retrato que a história da Filosofia possui de Sócrates foi traçado por seu mais importante aluno e discípulo, o filósofo ateniense Platão. Que retrato Platão nos deixa de seu mestre Sócrates?

O de um homem que andava pelas ruas e praças de Atenas, pelo mercado e pela assembléia indagando a cada um: "Você sabe o que é isso que você está dizendo?", "Você sabe o que é isso em que você acredita?"

Sócrates fazia perguntas sobre as idéias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao célebre "o que é?", descobriam, surpresos, que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e suas idéias. Mas o pior não era isso. O pior é que as pessoas esperavam que Sócrates respondesse por elas ou para elas, que soubesse as respostas às perguntas, como os sofistas pareciam saber, mas Sócrates, para desconcerto geral, dizia:

"Eu também não sei, por isso estou perguntando". Donde a famosa expressão atribuída a ele quando respondeu à pergunta da sibila no templo de Apoio: "Sei que nada sei".
A consciência da própria ignorância é o começo da Filosofia. O que procurava Sócrates? Procurava a definição daquilo que uma coisa, uma idéia, um valor e verdadeiramente. Aquilo que uma coisa, uma idéia, um valor é realmente em si mesmo chama-se essência.

Sócrates procurava a essência real e verdadeira da coisa, da idéia, do valor. Como a essência não é dada pela percepção sensorial e sim encontrada pelo trabalho do pensamento, procurá-la é procurar o que o pensamento conhece da realidade e verdade de uma coisa, de uma idéia, de um valor. Isso que o pensamento conhece da essência chama-se conceito. Sócrates procurava o conceito, e não a mera opinião que temos de nós mesmos, das coisas, das idéias e dos valores.
Qual a diferença entre uma opinião e um conceito? A opinião varia de pessoa para pessoa, de lugar para lugar, de época para época. É instável, mutável, depende de cada um, de seus gostos e preferências. O conceito, ao contrário, é uma verdade intemporal, universal e necessária que o pensamento descobre, mostrando que é a essência universal, intemporal e necessária de alguma coisa. Por isso, Sócrates não perguntava se tal ou qual coisa era bela - pois nossa opinião sobre ela pode variar - e sim: "O que é a beleza?", "Qual é a essência ou o conceito do belo, do justo, do amor, da amizade?".

Sócrates perguntava: "Que razões rigorosas você possui para dizer o que diz e para pensar o que pensa?", "Qual é o fundamento racional daquilo que você fala e pensa?".

Ora, as perguntas de Sócrates se referiam a idéias, valores, práticas e comportamentos que os atenienses julgavam certos e verdadeiros em si mesmos e por si mesmos. Ao fazer suas perguntas e suscitar dúvidas, Sócrates os fazia pensar não só sobre si mesmos, mas também sobre a polis. Aquilo que parecia evidente acabava sendo percebido como duvidoso e incerto.
Sabemos que os poderosos têm medo do pensamento, pois o poder é mais forte se ninguém pensar, se todo mundo aceitar as coisas como elas são, ou melhor, como nos dizem e nos fazem acreditar que elas são. Para os poderosos de Atenas, Sócrates tornara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado perante a assembléia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um veneno - a cicuta - e obrigado a suicidar-se.
Por que Sócrates não se defendeu? "Porque", dizia ele, "se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu preferiria morrer a ter de renunciar à Filosofia".
Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seus pensamentos encontra-se nas obras de seus vários discípulos, e Platão foi o mais importante deles. Se reunirmos o que esse filósofo escreveu sobre os sofistas e sobre Sócrates, além da exposição de suas próprias idéias, poderemos apresentar como características gerais do período socrático:
A Filosofia se volta para as questões humanas no plano da ação, dos comportamentos, das idéias, das crenças, dos valores e, portanto, se preocupa com as questões morais e políticas.
O ponto de partida da Filosofia é a confiança no pensamento ou no homem como um ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão. Reflexão é a volta que o pensamento faz sobre si mesmo para conhecer-se; é a consciência conhecendo-se a si mesma como capacidade para conhecer as coisas, alcançando o conceito ou a essência delas.
Como se trata de conhecer a capacidade de conhecimento do homem, a preocupação se volta para estabelecer procedimentos que nos garantam que encontramos a verdade, isto é, o pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo o que investiguemos.
A Filosofia está voltada para a definição das virtudes morais e das virtudes políticas, tendo como objeto central de suas investigações amoral e a política, isto é, as ideias e práticas que norteiam os comportamentos dos seres humanos tanto como indivíduos quanto como cidadãos. Cabe à Filosofia, portanto, encontrar a definição, o conceito ou a essência dessas virtudes, para além da variedade das opiniões, para além da multiplicidade das opiniões contrárias e diferentes. As perguntas filosóficas se referem, assim, a valores como a justiça, a coragem, a amizade, a piedade, o amor, a beleza, a temperança, a prudência, etc., que constituem os ideais do sábio e do verdadeiro cidadão.
É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado a opinião e as imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas tradições, pelos interesses, e, de outro lado, as ideias. As ideias se referem à essência íntima, invisível, verdadeira das coisas e só podem ser alcançadas pelo pensamento puro, que afasta os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os preconceitos, as opiniões. A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação intelectual, que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável, universal e necessária. A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas, mentirosas, mutáveis, inconsistentes, contraditórias, devendo ser abandonadas para que o pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro.
A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou imagens das coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que nunca alcançam a verdade plena da realidade.
NEO E A MATRIX
Se voltarmos ao filme Matrix, podemos perguntar por que foi feito o paralelo entre Neo e Sócrates.
Comecemos pelo nome das duas personagens masculinas principais: Neo e Morfeus. Esses nomes são gregos. Neo significa "novo" ou "renovado" e, quando dito de alguém, significa "jovem na força e no ardor da juventude." Morfeus pertence à mitologia grega: era o nome de um espírito, filho do Sono e da Noite, que possuía asas e era capaz, num único instante, de voar em absoluto silêncio para as extremidades do mundo. Esvoaçando sobre um ser humano ou pousando levemente sobre sua cabeça, tocando-o com uma papoula vermelha, tinha o poder não só de fazê-lo adormecer e sonhar mas também de aparecer-lhe no sonho, tomando forma humana. É dessa maneira que, no filme, Morfeu se comunica pela primeira vez com Neo, que desperta assustado com o ruído de uma mensagem na tela de seu computador. E, no primeiro encontro de ambos, Morfeu surpreende Neo por sua extrema velocidade, por ser capaz de voar e por parecer saber tudo a respeito desse jovem que não o conhece. Várias vezes Morfeus pergunta a Neo se ele tem sempre a impressão de estar dormindo e sonhando, como se nunca tivesse certeza de estar realmente desperto. Essa pergunta deixa de ser feita a partir do momento em que, entre uma pílula azul e uma vermelha oferecidas por Morfeu, Neo escolhe ingerir a vermelha (como a papoula da mitologia), que o fará ver a realidade. É Morfeu quem lhe mostra a Matrix, fazendo-o compreender que passou a vida inteira sem saber se estava desperto ou se dormia e sonhava porque, realmente, esteve sempre dormindo e sonhando.
O que é a Matrix? Essa palavra é latina. Deriva de mater, que quer dizer "mãe". Em latim, matrix é o órgão das fêmeas dos mamíferos onde o embrião e o feto se desenvolvem; é o útero. Na linguagem técnica, a matriz é o molde para fundição de uma peça; o circuito de codificadores e decodificadores das cores primárias (para produzir imagens na televisão) e dos sons (nos discos, fitas e filmes); e, na informática, é a rede de guias de entradas e saídas de elementos lógicos dispostos em determinadas interseções.
No filme, a Matrix tem todos esses sentidos: ela é, ao mesmo tempo, um útero universal onde estão todos os seres humanos cuja vida real é "uterina" e cuja vida imaginária é forjada pelos circuitos de codificadores e decodificadores de cores e sons e pelas redes de guias de entrada e saída de sinais lógicos.
Qual é o poder da Matrix? Usar e controlar a inteligência humana para dominar o mundo, criando uma realidade virtual ou falsa realidade na qual todos acreditam. A Matrix é o feitiço virado contra o feiticeiro: criada pela inteligência humana, a Matrix é inteligência virtual que destrói a inteligência que a criou porque só subsiste sugando o sistema nervoso central dos humanos. Antes que a palavra computador fosse usada correntemente, quando só havia as enormes máquinas militares e de grandes empresas, falava-se em "cérebro eletrônico". Por quê? Porque se tratava de um objeto técnico muito diferente de todos até então conhecidos pela humanidade. De fato, os objetos técnicos tradicionais ampliavam a força física dos seres humanos (o microscópio e o telescópio aumentavam o limite dos olhos; o navio, o automóvel e o avião aumentavam o alcance dos pés humanos; a alavanca, a polia, a chave de fenda, o martelo aumentavam a força das mãos humanas; e assim por diante). Em contrapartida, "o cérebro eletrônico" ou computador amplia e mesmo substitui as capacidades mentais ou intelectuais dos seres humanos. A Matrix é o computador gigantesco que escraviza os homens, usando a mente deles para controlar as próprias percepções, sentimentos e pensamentos, fazendo-os crer que o aparente é real.
Vencer o poder da Matrix é destruir a aparência, restaurar a realidade e assegurar que os seres humanos possam perceber e compreender o mundo verdadeiro e viver realmente nele. Todos os combates realizados por Neo e seus companheiros são combates cerebrais e do sistema nervoso, isto é, são combates mentais entre os centros de sensação, percepção e pensamento humanos e os centros artificiais da Matrix. Ou seja, as armas e tiroteios que aparecem na tela são pura ilusão, não existem, pois o combate não físico e sim mental.

O que é a caverna? O mundo das aparências em que vivemos.
Que são as sombras projetadas no fundo? As coisas que percebemos.
Que são os grilhões e as correntes? Nossos preconceitos e opiniões, nossa crença de que o que estamos percebendo é a realidade.
Quem é o prisioneiro que se liberta e sai da caverna? O filósofo.
O que é a luz do Sol? A luz da verdade.
O que é o mundo iluminado pelo sol da verdade? A realidade.
Qual o instrumento que liberta o prisioneiro rebelde e com o qual ele deseja libertar os outros prisioneiros? A Filosofia.